sábado, 31 de outubro de 2015

O comboio passava sempre ás 9 horas

O Ti Zé Mota, era um homem que trabalhava as terras, de manhã até altas horas da noite, no meu lugar do Casal Novo do Rio, a Barca.
Era muito alto e esguio,Para acentuar a sua figura tipica, usava um chapéu que lhe cobria as orelhas e o fazia ainda mais elevado, porque entendia  que a moda se prendia com um chapéu na cabeça, poderia imitar uma especie de funil.
Eu era puto e tinha medo dele, Nunca o vi a brincar com uma criança, ou sequer uma palavra amistosa com quem se cruzava, Berrava com a mulher e as filhas que o ajudavam nas tarefas agrícolas, pois era um todo poderoso chefe de família, num tempo e numa cultura que já não existe no meu lugar, em que o pai era um trono e um símbolo, pois nada se fazia sem a autorização do pai poderoso
O meu lugar tinha um íngreme caminho de altos e baixos, provocados pelas fortes enxurradas que deixavam as pedras lisas e brilhantes.
As vacas puxavam o carro carregado, ora de utensílios necessários na lavoura, ou de erva, e de produtos granjeados nas terras que cultivava. Ele era insensível, com a vara que levava ao ombro usada para guiar o gado, a qual tinha um aguilhão  na ponta, picava os animais e berrava alto, para que andássem mais depressa.
Um dia o Ti Z´Mota, precisou de uma consulta médica e foi a Coimbra. Naquele tempo só a luz a petróleo nos alumiava e telefones só na Vila e poucos.
A viagem fez-se em  família; era problema para um homem  que nunca tinha saído do nosso lugar ir sózinho no combóio até à cidade do Mondego, aquilo fazia-lhe confusão e algum medo.
O comboio passava  sempre ás 9 horas no apeadeiro de Montemor, e toda a gente sabia, menos ele... a filha tentava serená-lo mas sem êxito, pelo que exclamou - se o pai não acredita vá perguntar ao Raposeiro.
O Raposeiro era empregado no caminho de ferro, e como tal sabia os horários, era só passar lá em casa, à noite e perguntar.
Acatou a opinião da filha e lá foi em passos largos à casa do ferroviário, pois não queria perder o combóio por chegar atrazado, por informação errada.
Naquele tempo a porta das casas estava sempre aberta, só à noite se rodava a chave; durante o dia estava encostada. Então o ti Zé Mota subiu o degrau e berrou lá pra dentro - óh Raposeiro?! diz-me lá se fazes favor - a que horas passa amanhã no apeadeiro de Montemor o combóio das 9 horas?
Nas pequenas localidades tudo é noticia, e quando o assunto é hilariante, então passa de boca em boca, e jamais é esquecido. Foi assim com este caso.

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