quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Farrusca!


(Fotografia tirada pelo Padre João Direito, na minha eira)

Os que estudam o fenómeno do comportamento dizem que o estruturamos nos primeiros anos de vida,face ao meio e educação,o pior e o melhor carácter e a racionalidade.Talvez tenham a sua razão,por mim acho que sim, e vou explicar o porquê das minhas recordações no Casal Novo do Rio,Montemor-o-Velho,o tal povoado alumiado à luz do petróleo,ainda nos anos cinquenta, e mais, se a memória não me engana.Entre a vivência rural pois no povoado todos trabalhavam nos campos,com um ou outro empregado nos caminhos de ferro,guardo ainda recordações que são marcadamente intemporais,três delas não se apagam:a Farrusca,uma cadela rafeira,muito baixa e comprida e de orelhas caídas que só lhe faltava falar,como se costuma dizer; o caldo e a broa que as crianças comeram com sofriguidão e por fim a barba do velhinho que deitado numa esteira assumia o seu estado e o desleixo dos familiares.Vamos por partes:regredindo décadas e décadas,recordo que aquele animal ainda me transmite uma ideia de bem estar,pois a Farrusca era meiga e tratava a filharada com inacreditável cuidado,deitando-se estendida para que os filhotes mamassem à sua vontade, e depois pegava neles com os dentes e levava-os ao sítio certo onde se acomodavam,ali ficando tempos imensos,num hino elevado da natureza.Como gostava de viver a vida,já que a Farrusca foi intensamente alegre e comunicativa,paria muitos cachorros e a minha avó Conçeição metia-os num saco e deitava-vos,naquele tempo,no imenso Rio Mondego,numa triste crueldade e num povoado tão pobre e tão precário na sua instrução e respeito pelos animais.Aliás,existiu o Zé Santos,já falecido,que tinha o complexo dos gatos,qual pedrada certeira que os aniquilava de todo,quem sabe se não teriam ficado estropiados por lá ,não sei!Do caldo e da broa com que as crianças aconchegaram os seus estômagos, e que reflectia as dificuldades de muitas famílias,escrevo agora.Tratou-se de uns pais,os Barrigas,que cedo iam para os campos e deixavam os filhos entregues ao seu destino, Em minha casa havia caldo,broa,matança do porco ,vinho na pipa,o que naquela época já era muito bom. As crianças tinham fome,indiscutivelmente,mas o meu pai,homem austero e dominador da familia,sempre dizia: “Olivia, dá caldo e broa às crianças.”E elas sentavam-me nuns bancos de madeira ,muito pequenos e comiam enquanto a Farrusca parecia contente também por ver as crianças felizes. Naquela época mil novecentos e cinquenta e sete,já trabalhava na Figueira da Foz. Era o “Coiffeur do Casinó” como diziam os meus amigos das noitadas e borgas, mas voltava todos os domingos ao meu Casal Novo do Rio,onde cortava as barbas e os cabelos aos meus conterraneos e à noite a cidade esperava-me de novo para outra semana e foi assim até aos vinte anos, altura em fui para a Policia Militar,em Belém.Eu tinha um cliente velhinho a quem me custava fazer a barba,pois o Ti Cavaleiro,estava deitado numa esteira e a sua cara foi sempre escura,tendo em conta a sujidade que deslizava à frente da navalha de barbear.Um domingo e outro,esquecia-me de propósito,até que um dia,a Mãe Olívia que me deixou belos exemplos e bons conselhos,pediu-me com a sua benevolência: “Vai,vai fazer a barba ao homemzinho,filho, pois um dia tambem serás velho como ele.E a partir daí fui sempre e com a Farrusca esperando por mim, sentada,olhando aquele triste quadro social.

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