quarta-feira, 9 de março de 2011

O Zé, a Salomé e eu.

Confesso que sou demasiado tristonho para festejar o carnaval, nunca o fiz ao longo da minha vida, mas aprecio verdadeiramente a alegria das pessoas que se divertem com ele,julgo- as até superiores em relação à minha casmurrice, quando as vejo disponiveis fazendo a sua festa de entrudo e gosto de as ver contentes.
Porém, ser avô é um sentimento que me faz regredir à criança que ainda existe em mim, povoa-me de pura ingenuidade ao comunicar com o meu neto Gabriel,é uma riqueza sentir-me ao seu nível como que de novo criança e feliz.
Sou como a maioria dos avós, assim frágeis, face aos netos que nos conquistam, mesmo sem nada fazerem com intenção, a sua ingenuidade é a força a que não resistimos,e somos felizes.
Tinha trazido de Marraqueche uma vestimenta árabe para o Gabriel e outra para mim, e sonhei ver-me com ele a desfilar no cortejo carnavalesco nesta terça-feira de Entrudo na Cova Gala.
Agora é que eu vou dar um forte chuto nesta parva casmurrice, pensava eu!
Pretendia levar nas costas um dístico: não à violência entre os povos! Sentia-me virado do avesso, agora é que ia acontecer com o Gabriel, a minha vitória sobre os complexos inibidores, voltaria a ser criança por umas horas, e isso deu- me vida e entusiasmo: ia com a companhia do meu neto!
Quando comuniquei o meu desejo aos pais do menino, o Gabriel entrou em alvoroço, e eu já o tinha por dentro de mim à muito tempo,aliado a uma tranquila alegria, já me sentia um herói, e via-me no cortejo a saudar as pessoas, vaidoso a dizer-lhes: é o meu neto, é o meu neto! Quando lhe telefonava para combinarmos a hora da partida, a criança dizia: fixe avô, fixe avô!!!
Mas na terça feira,quando começava a almoçar com a família, o telefone tocou e a Dília Maria minha mulher foi atender; ouvi da parte dela um há de espanto,depois silêncio, e só, obrigada: fiquei em suspense... tinha falecido a Salomé, a mulher do nosso amigo de infância o Zé, como eu nascido no Casal Novo do Rio em Montemor-o-Velho. Esqueci o carnaval, ambos na mocidade frequentámos os bailes em Maiorca,a terra onde veio a conhecer a Salomé, e onde veio a acontecer a festa do casamento de ambos, prelúdio duma felicidade duradoura que agora foi interrompida.
Vivemos um tanto iludidos, quanto à duração da nossa existência, e não somos suficientemente fortes para encarar o desencanto que a todos está prometido. Embora este desfecho se aproximásse, a noticia fez-me doêr... Quis ir depressa, estar presente como nas horas boas,e muitas foram. Os homens também choram,e ambos chorámos num profundo abraço, contra o inevitável: somos tão pequenos... é só um espaço de tempo entre o nascer e o morrer, pelo meio vivemos em sonhos que nos alimentam e factos que nos alegram e realizam,mas também a tristeza tem o seu lugar. E assim a alegria que eu iria viver com o meu neto,se dissipou,com a amarga tristeza da perda da Salomé.

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