sábado, 28 de março de 2015

O homem novo


Segui a faculdade das barbearias e dos cabeleireiros, sentenciada pela minha mãe, de nome Olívia, que cedo percebeu que o rapaz não tinha vocação para mais nada, nem para as letras, onde ainda hoje me atropelo. Dizia ela  nesse lugar de gentes que não sabiam ler, mas que nem por isso não me deixaram  exemplos, que o miúdo não  podia ir para profissões cientificamente complexas já que até o sangue da matança do porco, o transtornava. Teria então de ser barbeiro, alfaiate,merceeiro,sapateiro, porque era também um rapaz fraquito de corpo e não aguentava o tórrido sol, muito menos as camadas de geada, pelos campos do Mondego. Em Montemor havia 5 barbearias. E lá fui eu à descoberta dos piolhos - que os havia naquele tempo - e barbas que tinham crescimento de 8 dias, enquanto os meus padrinhos (patrões) recebiam no fim do ano uns alqueires de milho pelos serviços prestados. Acabei numa profissão entre a caspa e a seborreia,  que me livrou do trabalho duro nos  campos do Mondego, feito por dois irmãos que assumiam com as suas jornas o sustento da casa.
Confesso que fui um péssimo aluno na minha faculdade. Era manipulador, sabia mais do que ninguém, abusando nas criticas aos meus colegas. Roçava a irracionalidade com um formato caricato e imprudente, grosseiro, que levava o mestre, a expulsar-me da sala de aulas, perante o gozo dos outros formandos. Sentia-me inimigo de mim próprio mas não conseguia evitar e mergulhava no meu isolamento, austero e errante. Pensava eu que o meu umbigo era o centro do mundo, procurando influenciar os comportamentos da turma, de modo distorcido e altivo, dividindo para reinar com o meu manual de sabedoria. Ninguém  já suportava o meu sentido critico.Desvalorizar era o meu forte, quanto fossem opiniões dos outros, não admitia que ninguém contrariasse o meu supremo dom de tudo saber. Era  o que se chama na voz do povo, um triste convencido. 
Até que um dia, há sempre uma luz e um provir, o meu mestre chamou-me ao seu gabinete. Já preocupado com a minha perseguição aos colegas, porque homem impoluto e amigo do seu amigo, lá me disse das boas, que eu assim era um nado morto na turma, que devia reformular o sentido critico, procurar outros meios de defesa das minhas  convicções, abandonar o doentio egocentrismo. É que assim  já ninguém me levava a serio e ele tinha razão quando dizia que ia acabar a falar sozinho no corredor do meu silêncio. Foi como que um soco no estômago. Refletindo na  lição do  mestre acordei do pesadelo a que me sujeitava a mesquinha intolerância e tornei-me um novo homem, libertado  e capaz de perceber que existe um lugar onde todos cabem com as suas diferenças, e eu também. Foi uma lição para  a vida.

Um comentário:

  1. "Na minha faculdade (da vida)---
    que o rapaz não tinha vocação para mais nada...
    foram gentes que me deixaram exemplos de seriedade os que não sabiam uma palavra escrita. ...
    ... e lá fui eu á descoberta dos piolhos que os havia naquele tempo ...
    Acabei numa profissão entre a caspa e a seborreia.
    Confesso que fui um péssimo aluno na minha faculdade. ... Ora perverso e manipulador a roçar a irracionalidade.
    ---
    Pensava eu que o meu umbigo era o centro do mundo.
    Desvalorizar era o meu forte no meu supremo dom de tudo saber.
    Era o que se chama, na voz do povo, um triste convencido,
    ...
    Até que um dia, há sempre uma luz e um provir...
    ---
    O meu mestre chamou-me:
    Tu assim és um nado morto ... procura outros meios de partilha e defesa das tuas convicções. Assim com esse doentio egocentrismo, porque já ninguém te leva a serio, vais acabar a falar sozinho ...
    ...
    Refletindo na lição do mestre ...
    ...
    ... acordei da mesquinha intolerância e hoje sou um novo homem libertado de complexos parvos capaz de perceber onde todos cabem com as suas diferenças."
    ...
    Ahhhh, granda mestre o da consciência.

    João Pita

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