O Sr. António não foi só um cliente a quem vendi o meu serviço, dizia obrigado, e pronto.Não. O Sr.António foi mais do que isso, foi um cliente, é certo, mas foi uma pessoa que me deixou uma forte lição no gosto de viver e um exemplo para quem como eu, tem outras ideias sobre a existência. Arrastando o membro inferior esquerdo, com o braço e a mão, também com profundas dificuldades em movimentar-se, servia-se de uma bengala que apoiava com firmeza na mão direita, rejeitando ajudas e boleias, pois dizia -me que tinha que vencer a malvada da doença. Caminhava imenso pelas ruas da Cova Gala. Era ver o Sr. António, no Parque das Merendas e no largo, olhando o mar, porque andar vencia a malvada da doença, porque gostava muito de viver,dizia-me e contente por o afirmar.Quantas vezes chegou ao meu salão, com a camisa encharcada de suor, especialmente no verão, e eu propunha dar-lhe boleia até lá baixo á Cova Gala. Não, não, respondia-me; gosto de andar para vencer esta malvada paralisação na minha perna e no meu braço.
O Sr.António foi um valente homem do mar. Contava coisas do diabo, também Sportinguista ferrenho, sabia tudo sobre futebol, inclusive, tinha uma opinião crítica e velada sobre Pinto da Costa.
Em casa e em família falava da sua força e gosto pela vida porque o admirava assim arrastando-se num corpo pesado , obrigando-o com o caminhar, que tivesse melhor movimento. Um dia pedi á minha mulher que comprasse uma prenda com o emblema do Sporting, e fui visitá-lo a Lavos, onde fui muito bem tratado pela família, mas o Sr.António, já não falava , mas sorriu e as lágrimas surgiram, elevando a mão direita, sobre a boca, como que a enviar-me um beijo, num momento de intensa fraternidade.
O Sr. António Pereira Abade , teve um longo e doloroso sofrimento e esta semana fui despedir-me dele à Igreja de S.Pedro, rezando com os presentes para que tenha paz.
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