Recordo o momento em que consegui finalmente sacar a um vizinho tristonho, de olhos fixos no chão, a retribuição do simples bom dia. Se um bom dia é o suficiente e nos dá alento para seguirmos viagem, curta ou longa, porque não cultivá-lo? Tantas vezes lhe disse bom dia que a criatura acabou por se convencer que o melhor seria antecipar-se em vez de só responder, e, sei lá, talvez até se tenha animado. pois agora até sorri, mas foi uma trabalheira dos diabos, libertá-lo daquele alheamento...
Mas o Sr Dimas Rosa, falecido na freguesia de São Pedro, Cova Gala, com 85 anos, não tinha bloqueios de comunicação. Por tudo e por nada o Sr. Dimas sorria. E hoje escrevo para prestar-lhe a minha modesta homenagem, o popular Sr. Dimas, homem do mar e do mundo, simples e sem discursos estafados, amigo sem disso fazer alarde, numa simpatia bafejada pela naturalidade.
Se a sua esposa impedida pela doença não ia fazer as compras de casa, o Sr. Dimas tratava disso e carregava os sacos um em cada mão, percorrendo as ruas da freguesia de São Pedro, a caminho do seu cantinho, onde vivia com a sua adoentada companheira.
Reparava nele e pensava, "olha o Sr Dimas, como se arrasta com as compras..."Caminhava devagar, já com os ombros um tanto descaídos. Então parava o carro e convidava-o a entar, "Entre Sr Dimas, entre que passo pela sua casa." Não era só por ser meu cliente de muitos anos que eu sentia prazer neste gesto, era sim, garanto-vos, pelo facto do Sr. Dimas justificar a minha atitude, porque me tinha ensinado que viver tambem deve ser dar algo de nós. Devemos suavizar o pior em alguns humanos, compreender que todos erramos. Viver por vezes é sofrer, quantos sonhos ficam pelo caminho e são depois causa de frustrações e mágoas caladas. Por vezes o Sr. Dimas rodeava-me de honrarias e zombarias que me faziam rir! E também, com a maior franqueza, convidava-me para beber um copo - o seu vinho tinha fama, - mas munca calhou eu aceitar. Recordarei sempre a sua expressão habitual, um rasgado sorriso que me deixava animado e convencido de que podemos vencer a casmurrice. Ele despedia-se com um "obrigado gentleman, obrigado gentleman..."E eu sorria, retorquindo; -Sr Dimas, é isso.
Já bastante doente, acamado, e com uma perna amputada, visitei-o algumas vezes. Um dia antes de falecer, ainda sorriu levemente com tristeza, e disse-me pela última vez: - "É a vida gentlamen, é a vida."
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