sexta-feira, 21 de março de 2014

Deixou-me rasgados sorrisos.

Uma palavra motivadora na ocasião certa, um sorriso que brota da alma, e não daqueles que mostram apenas os dentes, podem desbloquear as várias diferenças entre os humanos. Quem não tem não pode dar. É assim, a vida. Às vezes penso - e quem sou eu para ter esta certeza, - quanto não sofrem alguns dos nossos vizinhos que no elevador para quantos andares se escapam foragidos para não se encontrarem com o vizinho"inimigo" que se aproxima. Lamento-os, porque são uma ilha dentro de outra de vários andares, construidos de cimento frio. Eu insisto nma simples saudação, um pouco de calor humano traduzido num bom dia, boa tarde ou boa noite, num elevador que não me agrada, pois o carácter isolado da minha aldeia marcou-me para sempre, prefiro portas abertas.
Recordo o momento em que consegui finalmente sacar a um vizinho tristonho, de olhos fixos no chão, a retribuição do simples bom dia.  Se um bom dia é o suficiente e nos dá alento para seguirmos viagem, curta ou longa, porque não cultivá-lo? Tantas vezes lhe disse bom dia que a criatura acabou por se convencer que o melhor seria antecipar-se em vez de só responder, e, sei lá, talvez até se tenha animado. pois agora  até sorri, mas foi uma trabalheira dos diabos, libertá-lo daquele alheamento...
Mas o Sr Dimas Rosa, falecido na freguesia de São Pedro, Cova Gala, com 85 anos, não tinha bloqueios de comunicação. Por tudo e por nada o Sr. Dimas sorria. E hoje escrevo para prestar-lhe a minha modesta homenagem, o popular Sr. Dimas, homem do mar e do mundo, simples e sem discursos estafados, amigo sem disso fazer alarde, numa simpatia bafejada pela naturalidade.
Se a sua esposa impedida pela doença não ia fazer as compras de casa, o Sr. Dimas tratava disso e carregava os sacos um em cada mão, percorrendo as ruas da freguesia de São Pedro, a caminho do seu cantinho, onde vivia com  a sua adoentada companheira.
Reparava nele e pensava, "olha o Sr Dimas, como se arrasta com as compras..."Caminhava devagar, já com os ombros um tanto descaídos. Então parava o carro e convidava-o a entar, "Entre Sr Dimas, entre que passo pela sua casa." Não era só por ser meu  cliente de muitos anos que eu sentia prazer neste gesto, era sim, garanto-vos, pelo facto do Sr. Dimas justificar  a minha atitude, porque me tinha ensinado que viver tambem deve ser dar algo de nós.  Devemos suavizar o pior em alguns humanos, compreender que todos erramos. Viver por vezes é sofrer, quantos sonhos ficam pelo caminho e são depois causa de frustrações e mágoas caladas. Por vezes o Sr. Dimas rodeava-me de honrarias e zombarias que me faziam rir! E também, com a maior franqueza, convidava-me para beber um copo - o seu vinho tinha fama, - mas munca calhou eu aceitar. Recordarei sempre a sua expressão habitual, um rasgado sorriso que me deixava animado e convencido de que podemos vencer a casmurrice. Ele despedia-se com um "obrigado gentleman, obrigado gentleman..."E eu sorria, retorquindo; -Sr Dimas, é isso.
Já bastante doente, acamado, e com uma perna amputada, visitei-o algumas vezes. Um dia antes de falecer, ainda sorriu levemente com tristeza, e disse-me  pela última vez: - "É a vida gentlamen, é a vida."

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