sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Felizmente que é permitida a eutanásia nos cães

Recordo a cadela farrusca, os gatos, as vacas e os burros, na minha distante infância e juventude, no meu Casal Novo do Rio. Recordo-me ainda de cair sobre as ervas do campo, quando pretendia galopar em cima de um burro, que não gostou das minhas diabruras. A cidade da Figueira da Foz para onde vim barbear ainda quase rapaz, acabou com aquela partilha com os animais, e tudo se alterou em novos caminhos, que nunca mais foram os mesmos. O que nunca pensei na minha vida é que a agonia e posterior fim de um cão, me provocasse lágrimas ao canto dos olhos, sentindo-me demasiado agitado nos últimos momentos da sua vida, e triste por nada poder fazer para lhe restituir a saúde, ou diminuir o seu sofrimento.

Era um cão de raça chinesa. Mao Tsé Tung na sua loucura, quiz acabar com esta raça e quase o conseguiu, pois entendia que era um luxo um shar- pei, uma raça dos gostos e hábitos da burguesia. Felizmente alguém de mente sadia e longe daquele País, conseguiu salvar a raça que assim chegou até nós. Há sete anos, a minha filha a Maria Clara decidiu comprar um shar-pei para o Gabriel. Era pequenino todo enrugado muito interessante. Rápidamente cresceu tornou-se elegante e cheio de força. Eu gostava de o levar à rua, mas tinha de o segurar com firmesa pois com facilidade ele me arrastava.

Rejeitava os visinhos, e os outros cães, sempre em pé de guerra com tudo que se aproximásse, mas era extraordináriamente afectuoso com a familia humana, em especial com o meu neto Gabriel, estava sempre alerta por ele. Até comigo, se porventura as nossas brincadeiras eram ruidosas, ele logo se aproximava a ver se aquilo não seria uma luta, e então ali estava pronto para defender o seu dono pequenino. Ás vezes nessas ocasiões rosnava, como que a impor qualquer coisa.

Eu tinha ali um fiel amigo.Quando ia a casa da minha filha e chegava à entrada da rua ainda a longa distância, ele ladrava e corria da varanda a ir avisar a dona, voltava e insistia, até ela vir também ver quem estava a chegar. Ficava eufórico comigo, saltava e eu sentia-me feliz com o animal e a sua alegria em me ver. Passada aquela manifestação o Davis ficava companheiro, e encostava-se para que lhe fizesse festas e passava longos bocados de tempo ao meu lado, eu sentado frente à T.V. e ele deitado e sempre calmamente a olhar- me...
Adoeceu gravemente e foi operado, e quando parecia que a recuperação se encaminhava para o seu restabelecimento, tudo se complicou de forma rápida com enorme sofrimento que foi necessário terminar.
Umas horas antes do seu fim, ainda lhe falei e fiz festas, ele deu ao rabo, foi a sua habitual e ultima, manifestação de simpatia.
A eutanásia no Davis aconteceu com dignidade, e sem sofrimento. Adormeceu, e não mais acordou. Foi cremado, e agora só resta a recordação, e a nossa pena que ainda não se dissipou.
Este facto tão perto de mim, conduziu-me mais uma vez a uma reflexão delicada. Se num animal é permitido desta forma terminar-lhe o sofrimento, não seria razoável que fosse igual para o ser humano? Quando toda a medicina falha e a morte é a certeza, porque não antecipá-la? Para quê sofrer? Sofrer sem esperança...
Quem me dera, quando a minha hora chegar, poder morrer em paz e com dignidade como o nosso cão.

Entre as muitas fotografias, que agora são recordações, coloco esta feita em férias no Algarve, com o Davis ainda muito novo, mas condescendente com o abraço pesado do Gabriel.

Um comentário:

  1. Grata pela homenagem ao Davis.
    Acredito que há um plano maior em tudo e acredito que o Davis tinha uma missão na minha vida e cumpriu-a com excelência.Espero também ter correspondido minimamente como suposto.
    O Davis partiu em conforto físico e espiritual, deitadoem cama confortável e envolto nos meus braços, acompanhado pela minha irmã, pela veterinária dele e pela enfermeira que dele cuidou mais no pós - operatório.O ambiente era de serenidade,respeito, carinho e paz -foi um ritual honroso,simples e libertador.

    Houve dor e há dor,mas há paz por eu ter podido comprar-lhe no momento certo "um bilhete para o céu dos cãezinhos" como lhe prometi quando 48h antes e sem força nas patas dianteiras olhava para elas e para mim com ar inquisitivo.
    Seria bom que todos os que amo pudessem ter uma partida tão serena como foi a partida deste meu amigo - o melhor que encontrei, depois do meu pai.
    Maria Clara Fernandes

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