domingo, 18 de março de 2012

Tinha 21 anos e...

Não pretendo ser historiador nem sequer vitimizar-me com as miseráveis perseguições, prisões e morte da polícia política de Salazar.Seria uma grave afronta aos que sofreram por uma nobre causa, a liberdade ,agora sim, a minha liberdade e a do povo que não podia pensar por si. Mas nesta manhã de domingo, juntei-me aos milhões de homens da rua, os que sabiam a vida dura e pobre das nossas aldeias. O meu lugar do Casal Novo do Rio, se é verdade que tinha ficado para trás logo aos 15 anos, foi comigo sempre, caminhando e sentindo-o nas suas gentes, daí que a cidade me tenha dito para sempre que aquele povo seria sempre o meu. Já na Figueira da Foz, festejamos o assalto ao Santa Maria, com os irmãos Alves, vindos do Casal Novo do Rio, para estudar na Figueira da Foz, um deles mais velho do que eu e que lia Marx e Engle. Eu tinha só a base social e a" loucura" da sua justiça, pois entendia que não deviam existir gentes iguais ás minhas do Casal Novo Do Rio, todos deviam saber ler, andar calçados, uma ilusão que veio alimentar-me até hoje, o que entendo por consciência cívica e colectiva.
Mas nesta manhã de domingo, ao ver esta fotografia , regredi 50 anos e fui buscar á minha memória os ajuntamentos no Rossio e nos Restauradores.As cargas policiais de uma polícia besta que passava por cima de tudo o que mexia, os tiros e as fugas dos populares. Recordo ainda hoje uma mulher que tinha fugido para dentro do cinema Condes , onde já me encontrava a um canto, sem saber dos meus companheiros, a mulher gritava doidamente agarrada ao meu pescoço.enquanto lá fora , as bestas calavam á força os que se atreviam a manifestar-se na praça pública. Ainda hoje tenho uma grave falta de lealdade para com um dos meus amigos, que me deram a ler Marx e Engle. Julgava eu que na prática poderia vir o tal acerto de contas com o povo, aquele que eu tinha deixado para trás. Mas o meu amigo Alves, o mais novo, foi preso para Caxias. Nunca o visitei por cobardia e medo, porque nessa altura trabalhava já como cabeleireiro de senhoras, e o regime tinha bufos em cada esquina da cidade de Lisboa.  Nesta manhã de domingo,curvo-me em memória dos que tombaram ás mãos de um regime de sofrimento e sangue , porque afinal a minha história é tão simples quanto eu sou. Mas sou eu assim e nada se vai alterar enquanto o meu semelhante sofrer das bestas o seu desprezo e atentados á sua dignidade.

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